Cerco ao Facebook culmina com depoimentos de seu fundador ao Congresso dos EUA

Mark Zuckerberg fala nesta semana a legisladores americanos sobre repasse de dados de usuários

FILE Ñ Mark Zuckerberg speaks with software developers and entrepreneurs in Lagos, Nigeria, Aug. 31, 2016. Facebook announced sweeping changes to its News Feed on Jan. 11, 2018, saying that it would prioritize what their friends and family share and comment on while de-emphasizing content from publishers and brands. (Ali Asaei/The New York Times)
Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, fala em evento de tecnologia em Lagos, na Nigéria - Ali Asaei - 31.ago.2016/The New York Times
Estelita Hass Carazzai
Washington

Poucas vezes se ouviu falar tanto de Mark Zuckerberg quanto nas últimas semanas, num burburinho que não deve arrefecer tão cedo.

Nesta semana, o fundador e presidente do Facebook depõe ao Congresso americano pela primeira vez desde a criação da rede social, em 2004. As audiências estão marcadas para terça (10) e quarta (11).

A empresa está sob um escrutínio inédito de políticos, investidores e internautas acerca da segurança dos dados dos usuários e de sua responsabilidade na difusão de informações falsas e de manipulações políticas.

A tensão chegou a um nível incontornável há três semanas, quando veio à tona que cerca de 50 milhões de pessoas haviam tido seus dados vazados e vendidos sem autorização para a divulgação de propaganda política pela consultoria Cambridge Analytica. O número depois foi revisado para cima, alcançando os 87 milhões.

O arsenal foi usado para ajudar a eleger o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e para impulsionar o apoio à saída do Reino Unido da União Europeia, o ‘brexit’, entre outras campanhas.

Os usuários tiveram seus dados colhidos irregularmente ao autorizar que um teste de personalidade os acessasse; a Cambridge Analytica também conseguiu obter informações de perfil de toda a rede de contatos de quem participou da brincadeira. No total, quase metade dos 2 bilhões de pessoas que usam o serviço foi atingida.

O episódio acrescentou fervura a um caldo que já incluía o uso de centenas de perfis falsos por agentes russos para difundir boatos durante as eleições americanas de 2016, episódio que rendeu um mea-culpa da companhia e outras convocações (malsucedidas) para Zuckerberg comparecer ao Congresso americano.

“Estou interessado em saber qual é a visão de Mark Zuckerberg para que o Facebook assuma responsabilidade pelo que acontece em sua plataforma”, afirmou o senador republicano John Thune, presidente de um dos comitês que ouvirão o executivo.

‘LAISSEZ-FAIRE’

Durante anos, o Facebook resistiu em regular ou verificar os conteúdos que circulavam em seus domínios.
A empresa sempre sustentou que não era uma companhia de mídia, mas de tecnologia —e assim se eximiu de cumprir leis e regulações vigentes para o setor, em especial no que se refere à divulgação de propaganda eleitoral e à obrigação de revelar quem paga por anúncios.

Agora, o executivo parece ter entendido a gravidade da situação. “Não assumimos nossa responsabilidade de forma ampla o suficiente, e esse foi um grande erro”, disse, na semana passada.

Zuckerberg chegou a sugerir a implantação de uma espécie de tribunal do Facebook, órgão independente que julgaria se determinados conteúdos podem ou não ser publicados na plataforma. Segundo os executivos, a empresa continuará neutra, mas será “mais cautelosa” —e não irá tolerar, por exemplo, discursos de ódio.

Em tempo: a companhia perdeu aproximadamente US$ 75 bilhões (R$ 252 bilhões) em valor de mercado desde as revelações do caso Cambridge Analytica, além de ter sofrido uma sangria de anunciantes.

Em paralelo, está sob pressão de legisladores e governantes de várias latitudes, que estudam investigá-la e lhe impor multas e regulações.

DESCULPAS

Nas últimas duas semanas, o fundador da rede social saiu em sua defesa. Deu longas entrevistas, pagou anúncio de página inteira nos principais jornais dos EUA pedindo desculpas e prometeu mudanças aos investidores.

Zuckerberg não quer chegar ao Congresso de mãos vazias. Por isso, a empresa já aprimorou os controles de privacidade para os usuários, anunciou ferramentas para dar publicidade a quem paga por anúncios e disse que irá aumentar o time de segurança de dados.

Mas os deputados e senadores não devem ser condescendentes. Em ofício enviado a Zuckerberg, informaram estar especialmente preocupados com os dados colhidos na plataforma por terceiros, como a Cambridge Analytica, e o uso dessas informações para fins políticos.

Os congressistas não definiram o que farão a seguir. Se o depoimento não convencer, a chance de que proponham leis para aumentar a transparência e a proteção de dados por companhias como o Facebook aumenta, ainda que haja uma resistência histórica à regulação entre políticos dos EUA.

AUDIÊNCIAS

Três comissões do Congresso ouvirão Mark Zuckerberg: a primeira audiência é conjunta, de dois comitês do Senado; a segunda é do comitê de Energia e Comércio da Câmara.

Zuckerberg fará um pronunciamento inicial e depois responderá a questões. Audiências anteriores com executivos de redes sociais levaram até 3h. 

Os depoimentos não integram uma investigação específica e foram convocados diante das notícias recentes sobre o Facebook. Mas podem fundamentar propostas de novas regras sobre a privacidade digital e controles sobre a publicidade online.

DEPOIMENTOS AO CONGRESSO DOS EUA

Audiências históricas dos últimos 25 anos no país

EMPRESAS

Tabaco (1994) Testemunho dos presidentes das sete maiores empresas do setor ficou famoso porque eles disseram assertivamente que cigarros não causavam vício; depois, ficou provado que eles tinham mentido

Ticketmaster (1994) Jeff Ament e Stone Gossard, da banda Pearl Jam, deram testemunho sobre supostas práticas anticompetitivas da empresa; a investigação não foi adiante, mas a Ticketmaster mudou práticas depois da repercussão

Microsoft (1998) Bill Gates, que era presidente da empresa, falou sobre o quase monopólio dela em PCs. A firma não sofreu sanções, mas concordou em mudar práticas para facilitar o uso de software de rivais em seus sistemas

Napster (2000) Lars Ulrich, do Metallica, falou ao Congresso sobre o impacto do download de músicas no setor e defendeu os direitos autorais; o Napster depois perdeu ações abertas por bandas e gravadoras e acabou fechando

Enron (2002) O ex-presidente da empresa de energia, Jeffrey Skilling, testemunhou depois do colapso dela; a quebra da empresa levou a mudanças nas regras de divulgação de balanços e de informações financeiras de empresas

Crise financeira (2010) Os presidentes de diversos bancos falaram ao Congresso; a Comissão de Investigação sobre a Crise Financeira concluiu que houve falhas na governança corporativa e no gerenciamento de risco por empresas financeiras

ASSUNTOS POLÍTICOS/ INTERNACIONAIS

Benghazi (2013 e 2015) Hillary Clinton testemunhou duas vezes a comissões que investigavam a morte de quatro americanos em embaixada na Líbia; apesar de diversas investigações, ela nunca foi acusada formalmente de irregularidades relacionadas ao epísódio

Propaganda política online (2017) Representantes de empresas como Facebook, Twitter e Google falaram ao Congresso em meio a discussões sobre como aumentar o controle sobre propaganda política nas redes sociais

James Comey (2017) Depois de ser demitido pelo presidente Trump da chefia do FBI, Comey falou ao Congresso sobre a investigação da suposta influência russa na campanha de Trump, que ainda está sob investigação pelo advogado Robert Mueller

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